"Habeas corpus" para o cavalo
Tribunal de Justiça do estado de São Paulo concede HC a cavalo em isolamento sanitário, por suspeita de doença contagiosa.
No último dia 17 de junho de 2020, o TJ/SP proferiu uma decisão inusitada ao conceder liberdade a um equino que estava em regime de isolamento sanitário.
O proprietário do animal ajuizou "ação de tutela provisória cautelar de antecipação de provas" em face da Fazenda Pública do Estado de São Paulo.
Isso porque a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado determinou que o cavalo fosse sacrificado, por suspeita de estar contaminado com uma doença contagiosa (mormo).
O objetivo da ação judicial é o (i) deferimento de liminar para evitar a morte do equino e (ii) a realização de nova prova pericial em instituto internacional qualificado.
Assim, requereu o autor a suspensão do processo até a juntada do novo resultado de exame, que será realizado em laboratório na Alemanha.
O juízo de primeiro grau entendeu que o exame em laboratório estrangeiro é mera faculdade conferida a parte, sem qualquer vinculação judicial, ou seja, de livre apreciação pelo julgador. Afirmou, nesse sentido, que essencial é a prova pericial realizada em laboratório nacional e inexiste qualquer subordinação da perícia realizada no Brasil ao exame realizado no exterior.
Por esse motivo, o proprietário do cavalo apresentou agravo de instrumento, argumentando que o exame em laboratório estrangeiro já havia sido autorizado e deve-se aguardar o resultado da contraprova para o encerramento da perícia. Alegou, ainda, que os exames realizados nos laboratórios nacionais são passíveis de falhas e que o animal tomou medicações que podem ter alterado o resultado.
Então, insistiu na necessidade de um novo exame por órgão internacional especialista e reconhecido, bem como da importância de aguardar o término do período de quarentena para a realização de perícia, tendo em vista os riscos de alteração do resultado. Frisou também que o cavalo tem bom estado clínico e está saudável.
Sobreveio o resultado do exame realizado na Alemanha, o qual indicou que o animal não está infectado pela doença. Contudo, a Fazenda Pública do Estado manifestou-se no sentido de que deveria prevalecer as conclusões exaradas em âmbito nacional, indicativas da efetiva infecção do equino.
Por outro lado, ao analisar o caso, o Desembargador Souza Meirelles, relator, asseverou que o sacrifício de animais só é tolerável em casos excepcionalíssimos, depois de frustradas todas as medidas de caráter terapêutico.
Nesse contexto, determinou que a prova documental realizada em laboratório estrangeiro seja levada em consideração e confrontada com a prova técnica atual, ressaltando que o quadro de saúde do equino não se agravou e não há notícias de contágio humano pela enfermidade. Vejamos:
Ante o exposto, de rigor a reforma da interlocutória dardejada para dar provimento ao recurso e assegurar que a ulterior decisão a ser prolatada nos autos originários leve em consideração, como prova documental entretanto, o precitado exame consecutido perante laboratório alienígena, confrontando-a com o teor conclusivo da prova técnica pendente de desfecho. Sem que nos antecipemos quanto a quaisquer valorações estranhas ao objeto da modalidade recursal em apreço, o que tem intrigado esta C. Turma Julgadora é a circunstância de que, se a patologia veterinária augurava um potencial realmente devastador, capaz de propagar-se a estado de epidemia, inclusive atingindo humanos, é então de se perguntar por quê mantido o animal equino em regime de isolamento a partir de setembro de 2017, o quadro não tenha involuído para o prognosticado êxito letal, tampouco notícia há nos autos de que o tratador do animal também tenha sido contagiado pela tenebrosa enfermidade ?
Mencionou o Relator em outros trechos que o cavalo é um ser vivo inteligente, dócil, cooperativo a humanidade desde os tempos mais remotos, com grande contribuição no período pré-revolução industrial, além de estar presente até os dias atuais na lida do campo, sendo um grande parceiro do homem.
Por fim, com a assertiva de que "Justiça é o equilíbrio do Direito com a Moral", o colegiado concedeu, de ofício, por recurso analógico ao instituto do “habeas corpus” a LIBERDADE imediata ao equino, que até então encontrava-se em regime de isolamento sanitário, restabelecendo ao autor a plenitude dos poderes inerentes ao direito de propriedade.
E o cavalo, que possui um valor inestimável, não foi sacrificado.
Escrevo essa notícia com uma alegria imensa e ilustro com uma foto do meu arquivo pessoal (eu e meu cavalo).
Fonte: Portal Migalhas e TJ/SP (Processo: 2139566-66.2019.8.26.0000)
3 Comentários
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Que se mantenha o posicionamento...até porque tá bem comprovado que o cavalo não apresentou os sintomas (nem dá para considerar assintomático me parece!). Agora, enquanto via a reportagem, pensando além do custo do processo que se discute isso (que fique registrado que eu torço pelo cavalo!), fiquei pensando sobre a justificativa que usam para o abate do animal... sanitarização por doença contagiosa... imagina se aplicasse aos humanos que estão contaminados com doença contagiosa e ao invés de atender a regra de isolamento (isso pq o abate seria inconstitucional, limitando-se ao isolamento) ficam perambulando por aí.... continuar lendo